TECNOPOLÍTICAS DO ABSURDO – Por Rodrigo Starling – #temporadadetextos
“Existe esperança, esperança infinita – mas não para nós” Franz Kafka
No atual cenário de eleições, nacionais e internacionais, convido os Leitores do Portal Nova Contagem a refletirem sobre dois pontos: primeiro, o declínio da consciência sobre o valor da política, da democracia, do poder do voto. Segundo e mais grave: somos nós, os carrascos deste processo. Não é tanto o mercado ou o estado que oprimem (sem dúvida, uns mais que outros), mas sim o nosso “estado” de espírito, uma espécie de torpor, de alienação consentida, como denunciou Étienne de La Boétie em seu “Discurso sobre a Servidão Voluntária”, texto de 1548.
Quase cinco séculos depois, me parece que temos um agravamento desta servidão, qual seja: nossa submissão à tecnologia (que, per si, não é boa nem ruim), tal e qual uma faca: serve tanto para preparar alimentos quanto para cometer crimes, civis ou políticos, reais ou fictícios.
O que alerto é sobre a ausência de uma razão crítica, da preguiça de pensar, da falta de capacidade de “ver, julgar e agir” por nós mesmos. Tal um personagem de Kafka, às avessas, somos absorvidos pelas absurdas facilidades do mundo, em grande parte proporcionadas pela tecnologia, que nos sugere (sem o esforço de pedirmos) uma infinidade de produtos e serviços (sob medida), baseada em nosso histórico de navegação na web, produtos que prometem chegar às mãos num único clique e o melhor, em até 12x sem juros.
Claro, não podemos ficar de fora do mundo! E sim, somos adeptos e apoiadores da tecnologia.
O que assusta, o que nos transforma em “inseto monstruoso”, tal um Gregor Samsa, personagem de “A Metamorfose” do mesmo Franz Kafka, é a leveza com que tudo acontece, o status de normalidade que o absurdo vai tomando, a ponto de se confundir com uma versão (certamente falsa) de liberdade. Diferente do personagem, é por nossa escolha que permanecemos trancados, não só em quartos físicos, com paredes, mas mesmo ao ar livre, com os olhos e mentes grudados em telas, uma espécie de prisão sem grades: não mais, como denunciou Foucault, instituições imbuídas em nos “Vigiar e Punir”, mas sim grandes indústrias de entretenimento e comércio de dados (nossa maior commodity), destinadas a nos TAGUEAR e SERVIR.
Arrisco dizer: a vida, antes vista pelas janelas da alma ou pelas portas da percepção se enclausurou em pequenas telas onde, desesperadamente, aguardamos nossa sentença: os likes ou “deslikes” da existência, com todo o êxtase momentâneo (não felicidade), além das ciberpatologias: novas doenças, síndromes e crises correspondentes.
Lembrando, este já é o oitavo artigo da série especial para o Portal Nova Contagem que se ancora na ideia de CONTRATO VIRTUAL, a saber: acordo expresso entre o virtual e o real: VirtuReal! Sequência lógica, passo seguinte a leitura – histórica, crítica e filosófica – de dois trabalhos anteriores: O CONTRATO SOCIAL de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e o CONTRATO NATURAL de Michel Serres (1930-2019).
Aliás, Rousseau, em seu “Discurso sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens” de 1983, afirmou:
“O primeiro homem que inventou de cercar uma parcela de terra e dizer “isto é meu”, (…) , foi o autêntico fundador da sociedade civil. De quantos crimes, guerras, assassínios, desgraças e horrores teria livrado a humanidade aquele que, arrancando as estacas e entulhando os buracos, tivesse gritado: Não ouçam este impostor!” .
Starling, neste 2020, afirma: A primeira empresa que inventou de capturar nossos dados e dizer “vou comercializá-los”, foi o autêntico fundador da Tecnopolítica (ação, comunicação e gestão políticas feitas com o auxílio da tecnologia). De quantas alienações teria livrado a humanidade aquele que, a exemplo da denúncia e comprovação do escândalo Cambridge Analytica , tivesse gritado: Não se submetam! Estudem sobre o valor da política, da democracia, do poder do voto.
O primeiro passo para superar a banalização do absurdo é admitir que ele existe: Franz KAFKA for President! Para que haja esperança… Também para nós.
*Rodrigo Starling é Filósofo, Escritor e Poeta, natural de Belo Horizonte/MG. Pós em Gestão de Políticas Sociais (PUC Minas) e Mestre em Ciências Políticas (ULHT Lisboa). Autor de 12 livros, figura em coletâneas do Brasil e exterior (EUA, Equador, Itália, Japão e Uruguai). Em 2004, fundou a Oficina de Produção Artística — OPA, hoje, MINAS VOLUNTÁRIOS, ao qual preside. Em 2011, criou o Selo Editorial Starling, responsável pelas antologias Cem Poemas, Cem Mil Sonhos e Provérbios da Lama. Laureado: Menção Nosside XXIV — UNESCO World Poetry Directory; Medalha Resgate da Cidadania (2008) e Medalha Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais — INBRASCI (2012). Em 2013, nomeado Embaixador pelo Cercle Universel des Ambassadeurs de La Paix — CUAP, de Genebra/Suíça e Orange/França. Em 2015/16, atuou como moderador (Rio Dialogues) e consultor (UNV), ambos junto à Organização das Nações Unidas — ONU. Cofundador do Instituto Ekopolis, sediado em Contagem/MG.
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