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Surpresas na noite


Lecy Sousa

Ideogram.ia

Noite alta, sem lua e, para variar, Seu Zé seguia rumo à uma festa montado em seu cavalo numa mata que era puro breu. Quem indicava o caminho era o cavalo, com seu instinto animal bem mais certeiro  que o humano.


Num dado momento, Seu Zé apurou a vista o mais que pôde. Um sujeito mal encarado surgiu naquela estrada, numa escuridão danada. Uma assombração não daria tanto mole.


Não me pergunte como, mas Seu Zé conseguiu enxergar as feições daquele homem.


-Quem vem lá, pode me ceder a garupa? – perguntou o andarilho quando ouviu o barulho provocado pelas patas do cavalo de  Seu Zé.


-Negativo – respondeu Seu Zé. – No meu cavalo não tem garupada.


Ao dizer isso, Seu Zé fitou bem aquela cara bigoduda, sobrancelhas arqueadas, olhar feroz, chapéu de couro ocultando a testa, e puxou a rédea do cavalo continuando sua viagem.


Muitas árvores depois, Seu Zé apeou no arraial onde a festa "pegava fogo" e amarrou seu cavalo na manga. De imediato, ele se dirigiu a uma barraquinha de bebidas, pediu uma dose de Cinzano e ficou ali bebericando descontraidamente.


Correndo os olhos pelo local, eis que, não muito longe, Seu Zé avistou o dito cujo da estrada. Sim, era ele perfeitinho. Como chegou tão rápido, era mais um mistério.


Aquele homem foi direto à barraca de bebidas e, logo pediu, na bronca, um copo de vinho. O atendente, com humildade, disse que não tinha. Então, a fera pediu qualquer coisa, bebeu, jogou o copo no chão, disse que não ia pagar por aquela porcaria, virou-se de costas e foi saindo. Ele caminhou em direção à manga.


Parece mentira, mas o cara reconheceu o cavalo de Seu Zé, em meio aos outros e sua cabeça começou a tramar criminosamente. Se Seu Zé estava ali, o encrenqueiro ia deixá-lo a pé para aprender como era bom negar garupa a alguém do seu tipo. Ele cortaria as rédeas do cavalo e o colocaria para correr. Uma maldade.


Assim que aquela peste levantou seu facão para completar o plano, Seu Zé veio da barraquinha, alucinado, entrou de peito nele e perguntou, encarando-lhe:


-Ora, ora. O que você pretende com esse facão, colega?


Os dois ficaram paralisados por uns trinta segundos trocando olhares fulminantes, até que o bigodudo quebrou o silêncio:


-Não é nada, não. Eu só vou picar um fumo pra fazer um cigarrinho – e enfiou a mão no bolso da calça tirando um pedaço de fumo de rolo. Sem graça, mudou de rumo.


Após aquela desculpa, esfarrapadíssima, daquele homem, Seu Zé desgostou da festa, desamarrou o cavalo do suporte, montou em seu lombo e ganhou a estrada.


Seu Zé atravessou o breu da mata, novamente.


Dessa vez não houve surpresas pelo caminho, senão uma rosnadinha de onça pintada dali, uma chacoalhada de cauda de cobra cascavel daqui e um lençol branquinho e esvoaçante dacolá.


Curiosamente, o cavalo começou a agitar suas orelhas e sua cabeça, como se fosse um sinal de que algo fantástico surgiria bem diante dele. Surgiu, mesmo.


Seu Zé garantiu que, da plena escuridão, apareceu uma espécie de cidade mágica com luzes maravilhosas e tremeluzentes. Ele viu seres que pareciam gente, mas não era bem gente. Algo semelhante aos cenários descritos nas "Mil e Uma Noites" e nos Contos de Grimm. Seu cavalo começou a andar num passo lentíssimo. Até parecia que uma energia sobrenatural havia tomado conta do ar.


Foi impossível calcular o tempo que homem e quadrúpede levaram para cruzar aquele paraíso virtual incrustado de luzes.


De maneira quase imperceptível, o cavalo retomou sua marcha habitual. Haviam saído daquele "sonho". Se Zé olhou para trás, na esperança de enxergar aquelas luzes mais uma vez. Que nada! Sumiram. Ele chegou a pensar em contar aquela experiência quando chegasse em casa, mas desistiu. Quem acreditaria num homem que tinha por testemunha um cavalo?


Ao reconhecer o caminho que o levaria à fazenda onde morava, Seu Zé ouviu o galo cantando. Aquilo soou familiar aos seus ouvidos.


Logo, uma linda manhã, rural, nasceria.




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