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A CIRANDA DOS AMORES HIPOTÉTICOS

  ©Lecy Sousa

 

Créditos: Internet

 A roda começou a girar quando Paulinha, aprendiz de cozinheira, desandou a amar Bartolomeu, um jovem pecuarista, de maneira tão intensa quanto uma disenteria. A comparação soa pouco ortodoxa ou clássica, porém dimensiona a situação como ela se deu.


Bartolomeu, por sua vez, tratava a coitadinha de uma forma tão artificial que dava a entender que ela era uma espécie de nada ambulante. Dava dó. Ele se derramava todo mesmo era por Dalva, uma corista de passado complicadíssimo e inimaginável até para o roteirista mais talentoso de Hollywood. Ela trabalhava numa casa de shows de beira de estrada e muito badalada. Corria o boato que Dalva mandara muitos homens para a sarjeta. Alguns eram encontrados no chão, balbuciando o nome dela, enquanto cães lambiam suas bocas. Os maldosos incluíam até religiosos de diferentes doutrinas na lista dos sucumbidos. Bartolomeu se embriagava por ela, dava-lhe joias e perfumes parisienses, mas qual o quê. Dalva queria mesmo era Procópio, um lavrador de corpo apolíneo, talhado pela própria Natureza.

 

Procópio, devoto de São José, simpatizava com ela, mas a considerava uma mulher da vida, uma prostituta deslumbrada e muito desinibida. Ela não era o padrão de mulher que ele idealizara para ser a mãe dos seus filhos. A sua pretendida era a sensível Abigail, professora de curso primário, filha do Coronel Aldebrando, seu patrão, homem que estava quase virando bicho de tão ruim. A cozinheira da família conta que, certa vez, ele acorrentou um empregado revoltado e nu sobre um formigueiro de lava-pés. O lavrador não fazia conta do tamanho do vespeiro em que mexia.

 

Como era de se esperar, Abigail passava horas admirando a musculatura do sertanejo se contraindo com o esforço do trabalho. Se ao menos ele soubesse qual era a última moda em Paris ou Nova Iorque, ou New York, ou Nova York e ouvisse um pouco de rock inglês, a sua cotação, aos olhos dela, subiria assustadoramente. Mas ela vivia traçando planos em comum com Pierre, um fotógrafo, descendente de franceses, que conhecera numa cidade histórica. A sua timidez não a impediu de posar nua para a lente da câmara de Pierre, na fazenda do próprio pai, uma "onça" incapaz de imaginar tamanho descaramento.

 

Pierre, um profissional dinâmico que viajava pelo mundo e clicava centenas de mulheres, gostava de Abigail como se gosta de uma irmã. Casamento, vida a dois, grandes compromissos, isso estava fora de cogitação para ele. A sua grande paixão era sua avó Paulete, uma figura extraordinária. Tratava-se de uma viúva sexagenária, elegantíssima, que lia de Sartre a Deleuze. A única coisa que Pierre não entendia bem, era o amor que ela mantinha oculto, desde a adolescência, por Tenório, um locador de automóveis. Paulete se casara com seu avô sem amá-lo profundamente, o que o fotógrafo só foi saber mais tarde. Paulete também teve uma filha com Tenório. Disso ninguém sabia.

 

Tenório era uma dessas figuras carrancudas que dizia não acreditar em amor, nem em Deus. O mundo inteiro, para ele, era pervertido e imerso na lascívia e o único futuro possível era o caos. Ele tinha três filhos, dois homens e uma mulher, uma certa Paulinha, aprendiz de cozinheira que desconfiava bastante das preferências sexuais de um certo Pierre, fotógrafo, rapaz que mantinha uma amizade interessante com um dos seus irmãos. Coisas da vida.

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